Juristas ouvidos pelo UOL afirmaram que a troca de mensagens entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol é imoral, fere a Constituição e não encontra respaldo em nenhum regramento jurídico de países democráticos. Para eles, o caso pode ser considerado "gravíssimo" e pode levar à nulidade de processos.
O jurista e desembargador aposentado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) Walter Maierovitch afirma que, se comprovado o diálogo, haveria um descumprimento do preceito constitucional de imparcialidade do juiz.
"A Constituição estabelece uma regra processual de que o juiz tem de ser imparcial. Esse ponto é básico. Se você olhar o processo base, ele é formado por partes: tem o acusador e tem o réu. A supraparte, acima deles, é o juiz, que tem de estar distante para estabelecer uma igualdade entre as partes, de garantia à manifestação e ao contraditório. Se isso de alguma forma sai desse padrão constitucional, entramos no campo de um vício insanável, que é a nulidade", afirma.
O jurista diz que, pelo diálogo, há uma possível interpretação de que Sergio Moro conduziu a investigação, assumindo papel que não é da magistratura. Isso é classificado por ele como "indícios de promiscuidade".
"Pelos indícios, não sei se ele foi assistente, ou se atuou mesmo como protagonista --e os outros ficaram reféns dele. O que mais espanta os juízes é que isso pode ter partido de um magistrado, cuja função básica é se manter isento na cadeira o tempo inteiro. Temos indicativos que precisam levar à apuração porque isso é gravíssimo", diz.
Maierovitch questiona especialmente um trecho da conversa em que Moro questiona Dallagnol se "as operações não estão sendo muito lentas". "Fica a pergunta: o que ele tem a ver com isso? Aliás, o que um magistrado tem a ver? Isso é atividade do MP [Ministério Público], não é de um juiz. A partir do momento em que ele se engaja em busca de prova, ou em auxílio, como assistente de alguma forma, está quebrado o equilíbrio."
O jurista ainda citou que vê problemas na forma de atuação do procurador. "Se teve combinação, como fica a atuação do MP? Ele quebra também a imparcialidade, pois o procurador tem de ser imparcial. A partir do momento que ele se junta, fica uma coisa no mínimo esquisita. Com toda autonomia que tem o MP, não é para andar a reboque de alguém. Se comprovado [o indício], o MP andou a reboque do juiz", alega.
Doutor em direito constitucional e Estado Democrático de Direito, Alexandre Bernardino Costa assegura que o diálogo revela inegavelmente atos imorais e ilegais. "Trata-se de uma ilegalidade completa e patente o fato de o MP conversar com um juiz para encaminhamento de entendimento de provas e investigação. O juiz não tem de fazer isso", afirma Costa, que é professor da Faculdade de Direito e de pós-graduação em direitos humanos da UnB (Universidade de Brasília).
Para ele, o diálogo entre juiz e uma das partes pode até ocorrer, mas nunca para tratar de encaminhamentos de investigação ou seguimento de apuração dentro do processo. "Esse papo de que juiz conversa com as partes é conversa fiada. O juiz conversa em atendimento, nas audiências, mas não fica com conversinha sobre o melhor modo de 'obstaculizar', a melhor forma de ter êxito em uma ação", diz.
Bernardino cita um artigo publicado pelo jurista Eugênio Aragão, em que ele afirma que os celulares de juízes e procuradores são públicos. "[Eles] não devem ser utilizados com viés privado para a atividade pública, o que é pior ainda", complementa.
Doutor em direito criminal internacional pela Universidade de Pavia, na Itália, o jurista Welton Roberto concorda que o ato de Moro é ilegal e cita que não há nenhum país do mundo que preveja esse tipo de comportamento entre juízes e partes do processo.
"Isso não existe de jeito nenhum. Acusador e julgador até se falam, mas com urbanidade, sem nada de intimidade. Isso que o Moro fez foi ilegal", aponta o professor da Faculdade de Direito da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
Pesquisador da Operação Mãos Limpas, Welton Roberto rebate o argumento que chegou a ser colocado de que, na Itália, as partes poderiam se comunicar com o juiz. "Estão querendo trazer um método de comportamento italiano que não existe. Lá existem dois juízes para o caso -- das garantias e da instrução--, o que não importa dizer que eles têm contato com a parte acusadora, até porque isso implicaria completa nulidade. O comportamento dos magistrados lá é contrário do que fez o Moro aqui", finaliza.